Motoboy morre em São Paulo, vítima de exploração e negligencia do velho Estado

A liga Operária recebeu em seu E-mail esta importante matéria que trata da morte do motoboy de São Paulo Thiago (entregador empregado pela plataforma Rappi), que foi vítima da super exploração que causou um AVC e morreu pela burocracia do velho Estado, que não prestou o socorro na hora adequada e principalmente não enviou o SAMU para socorre-lo. Thiago é mais uma vítima desse velho e podre Estdo burguês-latifundiário, serviçal do imperialismo, principalmente ianque e o paraíso das grandes redes de hospitais e planos de saúde, enquanto há um constante sucateamento dos serviços públicos de saúde. Agradecemos o envio dessa matéria e esperamos que outros movimentos e pessoas compromissadas em relatar os fatos, com um ponto de vista de classe nos envie outras pelo E-mail: ligaoperariabr@gmail.com

Operário em condução

Em memória do operário Thiago Dias

Por Margarida Pereira e Rodrigo Souza

                “Seu trabalho prosseguia

E todo o seu sofrimento

Misturava-se ao cimento

Da construção que crescia.”

Vinícius de Moraes

Operário em Construção

            “Thiago não recebeu o atendimento de que precisava na mesma velocidade em que fazia suas entregas sobre uma moto no trânsito de São Paulo. E morreu”. Começa assim a matéria da Folha, ao relatar a morte de Thiago Dias, 33, morto na última fria segunda-feira em São Paulo. Contudo, esse cabeçalho diz muito pouco sobre, para não dizer distorce, a sua saga, que é carregada de simbolismo e nos revela com a dureza e a concretude com que só a realidade cotidiana das massas empobrecidas do nosso país pode revelar, o estado de putrefação e a decomposição avançada, já agonizante, do Estado genocida brasileiro.

O fato

Primeiro, o fato: Thiago, trabalhador motoboy do aplicativo de entregas Rappi, sofreu um AVC durante o seu expediente. Fez a entrega. Caiu no chão, quase inconsciente, foi socorrido por locais, uma das últimas coisas, pediu que avisassem no aplicativo que não poderia mais trabalhar naquele dia, foi tratado com a frieza robótica típica de uma máquina por seus patrões: um aplicativo de celular. Chamaram o SAMU, a PM, os Bombeiros. Ninguém em seu socorro. Chamaram então um motorista de aplicativo (Uber), o motorista se recusou a levá-los, uma vez que Thiago estava urinado como decorrência de uma crise aguda de dor de cabeça. Família e amigos em seu socorro, levam-no ao Hospital. Barrados na entrada do Pronto-socorro – que só recebe pacientes em ambulância – tiveram de quebrar a lei para acessarem a Emergência, não tinha maca… Foram duas horas até o primeiro diagnóstico e o sofrimento se prolongou até segunda, quando Thiago teve morte encefálica constatada.

 

A exploração mistificada do semi-proletariado urbano (‘info-proletários’)

O primeiro aspecto desse crime que salta aos olhos, é o fato de Thiago ser um entregador empregado pela plataforma Rappi, empresa estrangeira de serviço por aplicativo que é uma das maiores do ramo.

Num país com mais de 20 milhões de desempregados, não pode haver outra oferta mais atrativa do que você se auto-empregar. É aí que entram em cena empresas como o Rappi, Uber, entre outras, a prometerem liberdade total de horário, de patrões e de jornada. É só o começo da história de como estas empresas ficaram bilionárias superexplorando a força de trabalho, sem quaisquer encargos jurídicos, éticos, financeiros ou morais.

O poema de Vinícius de Moraes, citado no início do texto e ao qual o título do mesmo faz referência, relata a saga de um operário da construção civil. Outros tantos artistas brasileiros, ex.: Chico Buarque (em Construção) e Zé Geraldo (em Cidadão), utilizaram-se igualmente da imagem do operário da construção civil em suas obras que denunciavam a exploração e a opressão. Não poderia ser diferente, pois num país semicolonial e semifeudal, como o Brasil, em que o proletariado industrial decresce quantitativamente a cada ano, fruto da desindustrialização, o operário da construção civil fora o símbolo do trabalhador brasileiro: Frequentemente empregado pela grande burguesia burocrática e compradora, superexplorado, precarizado e quase sempre trabalhando em condições praticamente extintas na maior parte dos países capitalistas avançados (imperialistas).

Hoje, no entanto, nada retrata melhor o proletariado brasileiro, especialmente das grandes regiões metropolitanas, do que o serviço informal, o bico, a sub alocação, o sub emprego e o desemprego total. Por isso mesmo, a maior parte da massa trabalhadora das cidades brasileiras é, em verdade, semiproletária. O surgimento das plataformas digitais de ocupação dessa força de trabalho subalocada e/ou desempregada, quase sempre no ramo dos meios de transporte e logística, é só uma nova (e mais reacionária) forma de precarização do trabalho, que leva também a maior exploração do mesmo. O outrora operário da construção é agora mais fielmente descrito no operário na condução.

Empresas assim, que obrigam o trabalhador a estar 100% do tempo calculando o quanto mais precisa trabalhar para poder pagar o sustento da família, trabalhar sob o risco de acidentes de trânsito, ser assaltado, sequestrado e em pior situação, ser morto, obriga o trabalhador, a cada acontecimento do dia, lembrar que tem uma família para sustentar e que a “empresa” para qual ele trabalha, não se responsabiliza e ainda se exime de qualquer vinculo trabalhista.

A decomposição do Estado brasileiro e a putrefação da sociedade

A crise de decomposição do capitalismo burocrático brasileiro, que se agrava a cada dia e já é agonizante, leva também a uma maior reacionarização do Estado burocrático-latifundiário. Como parte desse processo de reacionarização, os pacotes criminosos antipovo, que atacam direitos mínimos conquistados pela luta dos trabalhadores, são elaborados sob direção do imperialismo e passam no Congresso de corruptos sob o véu de ‘reformas’.

Uma destas ‘reformas’ (contrarreforma, na realidade), foi justamente uma que congela por 20 anos os gastos em saúde, educação e moradia. A linha editorial da Folha, a que faz coro todo monopólio da imprensa, centra em atacar o atendimento público do SAMU, porém finge que não há qualquer relação de fatos como esse com a falta de saúde pública, num cenário de desemprego em alta, que leva ainda mais trabalhadores a dependerem do serviço público. Pois esse é o efeito prático e resultado concreto das reformas antipovo, como a famigerada ‘PEC dos gastos’.

Não podemos dizer, da mesma forma, da contrarreforma trabalhista? Enquanto tece críticas superficiais às empresas Uber e Rappi – e assim o faz, pois a base da retórica da contrarreforma é justamente a falsa contradição entre público vs. privado,  em que o público (estatal) seria ineficiente, corrupto e ruim e o privado (multinacionais) eficiente, moderno e justo – a mesma Folha ignora que as condições em que trabalham e são explorados tanto Thiago, entregador do Rappi, vítima fatal, quanto o motorista de Uber que negou socorro, são análogas ao que pretende a ‘nova’ legislação do trabalho. Falsa contradição essa entre estatal–privado que cai por terra, inclusive, pois, dependendo do socorro tanto do público SAMU, quanto da empresa privada Uber,  Thiago foi à óbito.

E o que dizer então, das palavras sujas que saem da boca rota do fascista Bolsonaro que, em sua lógica reacionária, ao defender o sistema de exploração e opressão, diz que o difícil é ser patrão e que o trabalhador é quem tem muito direito? Como se o trabalhador é quem explorasse a boa vontade do patrão… O que significa, então, Thiago que, agonizante de dor e à beira da morte, só se preocupa com seus deveres e ainda busca avisar a seus patrões que estaria impedido de trabalhar? Mais uma vez, o simbolismo deste gesto de Thiago que nos remete ao operário da construção de Chico Buarque: “Por essa fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir […] E pela paz derradeira que vai nos redimir… Deus lhe pague!”

O câncer do individualismo

Resultado dessas “relações modernas” de trabalho em que só há deveres e nenhum direito, de ditas empresas cujo discurso barato que propagam é o de “seja um empreendedor de sucesso’’, mas que em suma, estimula o individualismo ao extremo (até mesmo pela condição de trabalhar sozinho), que trabalhadores como o motorista do Uber que negou socorro a Thiago, são capazes de cometer tais atrocidades contra outros irmãos trabalhadores.

Conhecendo a empresa para quem trabalha, ciente de que esta não compensaria de nenhuma forma seu ‘prejuízo’ por não poder mais trabalhar naquela noite, e nas graves condições de crise econômica em que vivemos, muitas vezes o trabalhador tem sua consciência de classe substituída pelo câncer abominável do individualismo. Forçado a escolher entre o seu sustento e de sua família às outras famílias de sua classe, se degenera se tornando uma pessoa insensível.

A poesia

            Todo o mais dito, a simbologia sublime da saga de Thiago, o operário na condução, deve nos alentar de alguma forma. Se não mais para ele, cujo corpo físico não se faz mais em vida, então para que seja o cimento na construção do processo de transformação dessa sociedade caduca.

O operário em construção de Vinícius, conta a narrativa do operário que toma conta de sua exploração e começa atuar na transformação dessa realidade, transformando a si de operário em construção para operário construído (consciente).

Segundo o relato de sua irmã, o operário Thiago, ao morrer derramou lágrimas e a mesma afirmou: “Parecia que ele entendia tudo”. Ainda que não houvera tempo a este operário em construção para converter-se em operário construído, certamente seu exemplo nos serve hoje a compreender a realidade – como disse V. de Moraes – “em uma nova dimensão: A dimensão da poesia”.

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